sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Tortura


Tirar dentro do peito a emoção,
A lúcida verdade, o sentimento,
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!…

Sonhar um verso d’alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento!…

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

Florbela Espanca

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O Espectro



Anda um triste fantasma atrás de mim
Segue-me os passos sempre! Aonde eu for,
Lá vai comigo…E é sempre, sempre assim
Como um fiel cão seguindo o seu Senhor!

Tem o verde dos sonhos transcendentes,
A ternura bem roxa das verbenas,
A ironia purpúrea dos poentes,
E tem também a cor das minhas penas!

Ri sempre quando eu choro, e se me deito,
Lá vai ele deitar-se ao pé do leito,
Embora eu lhe suplique:Faz-me a graça

De me deixares uma hora ser feliz!
Deixa-me em paz!…” Mas ele, sempre diz:
“Não te posso deixar, sou a Desgraça!”

Florbela Espancaes - 28/06/1916